Quem foi Lolla de Miguel?
- lollademiguel
- 24 de ago. de 2022
- 5 min de leitura
Ainda que fosse Lolla uma mulher forte, imponente e desbravadora, também possuía leveza e delicadeza tais quais as joias que hoje crio artesanalmente. A verdadeira Lolla de Miguel não sou eu, mas de alguma maneira me vejo nela, até porque carrego em meu DNA todas as suas vibrantes características como um rutilado em pedra que urge para ser trabalhada.
A história da Lolla começa em torno de 1910 quando nasceu em Tolosa, no País Basco (Espanha). Casou-se com Policarpo e tiveram quatro filhos: Luís de Miguel, Maria Jose, Amando e José Angel.
Amando, o Amandito como era conhecido em Tolosa, após concluir seus estudos e com apenas 21 anos de idade, decidiu viajar por um tempo pela América do Sul e partiu para o Uruguai onde vivia sua tia.
Pretendia viver no novo pais somente por um tempo, mas a vida quis diferente. O que sua mãe Lolla não esperava é que a última imagem que sua memória guardaria do filho seria aquele aceno de despedida diante do navio que o levaria para longe.
Ele foi pra Montevideo, cidade onde nasceu e viveu Dona Ilona Lahni. Os dois se conheceram no Clube Húngaro de Montevideo e em pouco tempo formariam o mais lindo casal da cidade. Quando a situacao ficou politicamente difícil no país “por conta da Guerra do Paraguai”, a família Lahni decidiu mudar-se para o Brasil em busca de uma vida melhor.
O pai de Illona não queria que Amandito fosse junto de forma alguma, afinal de contas eles não sabiam direito como a vida seria a partir dali. Mas ele bateu o pé e disse: “você pode até me impedir de namorar com a sua filha, mas não pode impedir que eu pegue o mesmo trem e me hospede no mesmo lugar...” e dessa forma, sem conseguir contestar, Amandito ganhou a benção do sogro, e todos partiram para o Brasil.
O início da vida no Rio de Janeiro não foi fácil, a família toda morava em um quartinho de pensão; a cama, mesa e tudo mais era improvisado. Mas logo, sogro e genro arrumaram um emprego em uma fábrica e as coisas começaram a melhorar.
Amandito e Ilona se casaram e tiveram uma filha: Elizabeth, a Lizi. Dizem que uma das coisas que o Amando mais gostava de fazer era levar a Lizi pra nadar no clube de cavalinho em suas costas como era de praxe. Quando a Lizi tinha apenas três anos de idade, Amandito faleceu. Uma grande tristeza arrasou o coração de todos, principalmente de Lolla, cuja esperança de rever o filho se foi para sempre.
Mas a vida não é uma estrada em linha reta e traça lindos caminhos. Assim, Ilona se casou novamente, e Lizi ganhou dois irmãos. Mais uma vez a família se mudou, dessa vez pra Curitiba, no Paraná. O contato com a família na Espanha foi se dissipando aos poucos, até quase inexistir.
Vinte anos mais tarde, Lizi já adulta encontra as cartas que Amandito havia trocado com a família na Espanha e decidiu escrever para eles. A alegria de Lolla era infinita - um pedacinho do Amando existia - e a neta que ela já tinha perdido esperanças de um dia encontrar havia reaparecido em sua vida. E em pouco tempo o sonho dessas duas mulheres ja era o mesmo: se abraçar e se re-conhecer como família. E enquanto esse dia não chegava, elas iam trocando cartas e fotos, se envolvendo, nutrindo um amor que sempre esteve lá e que tinha acabado de ser redescoberto.
Pouco tempo depois, assim como Amandito, Lizi também faleceu quando sua filha – essa que vos escreve – tinha apenas três anos de idade, mais uma vez arrasando as vidas da família, tanto na Espanha quanto no Brasil. Nesse momento, a saúde de Lolla, que já era bem velhinha, estava bem frágil – tão frágil que os tios de Lizi, irmãos do Amando, não contaram pra ela que minha mãe havia falecido, por medo que a tristeza fosse demais para sua saúde fraca. Pediram aos tios brasileiros, que escrevessem às vezes, com notícias do Brasil e de sua neta, que eles leriam as cartas para Lolla como se fossem da própria Lizi.
Assim eles fizeram, até que pouco tempo depois, Lolla também faleceu. Com o passar do tempo, uma ou outra carta ainda foi trocada entre as famílias, mas aos poucos esse contato foi acabando...
Os anos se passaram e a bisneta de Lolla cresceu, ouvindo histórias de sua família na Espanha. As histórias eram quase como contos de livros para a pequena, falavam sobre personagens que ela não havia conhecido, sobre terras distantes, sobre amor e separação. Não eram a sua história, pelo menos, não ainda. Um dia, por curiosidade, eu pedi ao meu tio as cartas que minha mãe trocava com a bisavó Lolla.
Neste momento, toda minha ancestralidade se fez presente e com uma vontade enorme de me conectar definitivamente com essa história, assim como minha mãe havia feito anos atrás, decidi escrever para essa família tão presente no meu sangue mas tão distante.
E sem muita expectativa de retorno, decidi escrever uma carta, à mão, como se fazia “antigamente”, para um dos meus tios-avôs, para o mesmo endereço que minha mãe havia escrito há mais de vinte anos.
E para minha grande surpresa, alguns dias depois, recebo uma carta vinda do meu tio avó mais novo, José Angel. Era o início de uma volta, de um retorno, de um encontro, do resgate de uma história que eu nem sabia que precisava fazer.
Dois anos e muitas cartas depois, eu finalmente fui para a Espanha e tive a oportunidade de conhecer todos os irmãos do meu avô. Estavam todos lá, alguns bem velhinhos, mas vivos, quase como se estivessem esperando, de alguma forma, por esse reencontro.
No País Basco eu conheci os lugares que fizeram parte da história do meu avô: a igreja onde meus bisavós se casaram, a casa onde nasceu e morou meu avô, a escola onde ele estudou, o rio onde ele participava de competições de natação, a pracinha onde ele brincava depois da aula e até o cemitério onde todos da família estão enterrados. “Menos ele”, como meu tio José Angel comentou com tristeza, demonstrando o quanto a distância física entre meu avô e a família da Espanha os machucou por toda uma vida.
Ouvi histórias, muitas histórias... sobre as bromas que meu avô aprontava, sobre como ele era diferente e queria explorar o mundo, sobre como ele era o herói da vida do seu irmãozinho mais novo (José Angel). Mas principalmente, ouvi muitas histórias da Lolla. Aliás, todas as histórias chegavam nela, ela foi uma verdadeira matrona espanhola, uma mulher forte. E ao mesmo tempo, teve seu coração despedaçado quando meu avô faleceu aos 27 anos de idade, longe dela. E foi completamente apaixonada pela minha mãe, mesmo sem tê-la conhecido.
Nesse encontro eu resgatei minha origens, eu entendi de onde eu venho, quem são meus antepassados próximos e me apropriei de uma história que até então eu nem entendia como minha. Um ciclo de amor se completou, e eu consegui esclarecer, ao menos um pouco, quem sou eu como ser humano nessa Terra.
A Lolla, suas histórias e força, como matriarca e origem da minha família, foi a impressão mais forte que eu trouxe ao voltar da Espanha. E eu soube (quase como se eu sempre houvesse sabido e estivesse apenas me dando conta de uma verdade esquecida) que a minha joalheria (até então apenas uma brincadeira, não um negócio) deveria se chamar Lolla de Miguel: um resgate e um retorno.
Eu tenho certeza que o encontro entre a Lolla e a Lizi aconteceu em algum plano, e que hoje nos buscamos e conectamos infinitamente em contíguo elo de um intangível anel. Por aqui, todo esse ciclo de amor é retratado e costurado em cada peça produzida na Lolla de Miguel. Assim honro minha história, mas acima de tudo, coloco amor em cada joia que faço.
